Diferente da mansidão com os golpistas de Brasília (DF) nesta segunda (12), a tradição das polícias brasileiras é prender e arrebentar
A noite desta segunda-feira (12/12) trouxe uma já aguardada surpresa em Brasília (DF). Revoltados offline com a diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente do país e com a prisão do pastor golpista José Acácio Serere Xavante, grupos de bolsonaristas que acampavam na capital federal resolveram ter seu 6 de janeiro de 2020 (data da tentativa de golpe e invasão do Capitólio dos Estados Unidos) particular.
Impedidos de invadir a sede da Polícia Federal, as vivandeiras de verde-e-amarelo parecem ter cansado de tentar bulir com os granadeiros e partiram para um arremedo de terrorismo doméstico: aos gritos de “agora é guerra”, atearam fogo em carros e ônibus (inclusive tentaram derrubar um coletivo em chamas de um viaduto, haja GTA), depredaram estabelecimentos comerciais, aterrorizaram crianças, espalharam botijões de gás pelas ruas, tudo devidamente registrado nas redes sociais.
A falta de capacidade de ação do governo federal nos legou o patético exemplo de vermos um futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, se pronunciar sobre o caso antes do chefe de turno da pasta, o policial federal Anderson Torres, com direito a entrevista coletiva e tudo.
Para além das bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo lançadas pelos agentes da PF diante da tentativa de invasão, os terroristas “nacionalistas” parecem ter causado toda a balbúrdia sem muito incômodo por parte das forças de segurança — a Polícia Militar do Distrito Federal, comandada pelo governador reeleito Ibaneis Rocha (MDB), demorou consideravelmente a chegar ao palco dos confrontos, fazendo as mentes mais sagazes ressuscitarem o antigo koan budista: por que será que o Homem-Aranha e o Peter Parker nunca são vistos juntos?
Até o momento não há relato de golpistas feridos, muito menos de presos, um contraste considerável em relação ao tratamento dispensado pela polícia a manifestantes que lutam por direitos humanos ou mesmo contra golpes militares. Aqui na Ponte relembramos rapidamente de 20 histórias (há mais) de momentos que, diferente do doze de dezembro brasiliense, as forças de segurança brasileiras se inspiraram na promessa do último (esperamos) ditador da República e prenderam e arrebentaram:
Negro e pobre, Rafael Braga foi o único condenado pelas manifestações de 2013. Nem dos atos participou, mas foi preso por porte de água sanitária e Pinho Sol, considerados “material explosivo”
(Três anos depois, Rafael Braga foi preso por tráfico de drogas, num flagrante que afirma ter sido forjado. A única testemunha do suposto crime foi o PM que o prendeu)
Um homem perdeu o olho e quatro jovens negros foram presos durante uma manifestação pacífica contra Bolsonaro, reprimida com violência pela PM, no ano passado, no Recife (PE).
18 jovens foram presos antes mesmo de chegarem a uma manifestação, enquadrados num flagrante forjado de vandalismo que incluiu a infiltração de um capitão do Exército.
A PM e a Justiça não perdoam nem adolescentes. Em 2018, quatro menores de idade foram parar na Fundação Casa durante repressão a ato contra Bolsonaro. Um estava comprando pão de queijo quando foi detido.
Um protesto do Movimento Passe Livre terminou com tantas pessoas “detidas para averiguação” (o que é ilegal) que a PM precisou de um ônibus para colocar todas.
Se o movimento é antifascista, antirracista, pró-democracia e lembra crianças mortas pelo Estado, a PM fala grosso. Essa terminou com 32 detidos, tiro, porrada e bomba.
Matheus Machado passou dez dias preso após pegar o capacete de um segurança do metrô que achou na rua, durante ato contra Bolsonaro.
Viu os carros destruídos e ônibus queimados ontem? Pois em 2019, por causa de um só carro queimado, a Polícia Civil prendeu oito alunos e dois funcionários da USP.
Se são mulheres negras pedindo passe livre, os PMs, homens e em maioria, são capazes de agredi-las com cassetete e ajoelhar sobre elas.
Dois jovens foram presos e espancados pela PM por participar de ato do movimento negro contra chacina de 28 pessoas no Jacarezinho.
A PM invadiu até a casa de um padre para prender manifestantes do MTST que protestavam contra reforma trabalhista…
…e depois a Justiça ainda proibiu os ativistas de botarem os pés em outro protesto.
Jovem negro e periférico pode ser preso só por fazer um “rolezinho” perto de manifestação de gente de verde-e-amarelo.
Mesmo sem nunca ter pedido golpe de estado, 23 manifestantes foram presos e depois condenados pela Justiça, no Rio, a penas de até 7 anos de prisão.
Se é para reprimir movimento popular, a PM joga gás até dentro de estação do metrô cheia de passageiros, inclusive crianças.
Quem é mulher e antifascista, mesmo se manifestando pacificamente, se arrisca a ouvir de um PM: “Vai trabalhar, vagabunda. Vai dar o cu, sua puta”.
Em protesto por passe livre, PMs arrastaram mulheres pelos cabelos e um deles disse “gosto de manifestação para bater nas pessoas”.
Bastou gritar um “Bolsonaro, vai tomar no cu” num jogo Corinthians x Palmeiras para Rogério Lemes ser algemado e agredido pela PM.
Se é para reprimir estudantes, a “inteligência” da PM funciona. É capaz até de botar diretor de escola para atuar como espião.
Isso quando a PM não prende de uma vez oito estudantes em um protesto minúsculo.
Aliás, com estudantes a PM tem um jeitinho doce de agir: “acordamos com berros de PMs mandando ficar de joelhos e pôr as mãos na cabeça”.