Em documento enviado em 20 junho, entidade pede que o governo brasileiro investigue e julgue assassinatos e desaparecimentos cometidos de 1999 a 2020; Ponte cobriu dezenas dos casos relatados
A Organização das Nações Unidas pediu explicações para o governo brasileiro sobre os assassinatos de 69 pessoas e o desaparecimento de três cidadãos, entre os anos de 1999 e 2020, em um documento de 48 páginas, enviado no dia 20 de junho deste ano. O relatório foi desenvolvido pela relatoria sobre execuções sumárias, Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Pessoas de Descendência Africana, Grupo de Trabalho da sobre Desaparecimentos Forçados e pelo Grupo de Trabalho sobre a Discriminação contra Mulheres.
A carta ressalta que outros comunicados foram enviados ao governo do Brasil por conta da falta de transparência sobre trabalhos de combate à violação de direitos humanos e sobre a violência das forças policiais no país, principalmente contra a população negra que vive em condições de vulnerabilidade. A ONU afirma no documento que alguns pedidos foram ignorados, enquanto outros não foram respondidos completamente.
Neste ofício, a entidade pede esclarecimentos detalhados dos crimes que foram levantados pelos grupos de trabalho da ONU. “Os detalhes de 69 indivíduos, incluindo crianças, supostamente mortos por agentes de aplicação da lei. As mortes ocorreram em diferentes circunstâncias”, diz o documento.
Entre os crimes que ONU pede explicação estão as chacinas de Osasco, em São Paúlo, e do Curió, no Ceará, ambas ocorridas em 2015. “25 dos casos referem-se a mortes em batidas policiais ou operações conduzidas pela polícia. Este inclui um incidente no Estado do Ceará em 11 de dezembro de 2015 onde oito indivíduos teriam sido mortos , e outro em Osasco, Estado de São Paulo, em 13 de agosto de 2015, onde outros oito indivíduos foram supostamente mortos”, prossegue a carta.
Zilda Maria de Paula, do grupo Mães de Osasco, considera esse pedido mais uma forma de pressão de órgãos internacionais, não apenas em relação à morte do seu filho Fernando Luiz de Paula, mas todos os outros que ocorreram através de ações de policiais e que até hoje esperam por justiça.
“Parece que quanto mais a gente pede, abre a boca e denuncia se torna um novo desafio. A gente espera que alguma coisa aconteça com mais essa ação internacional.A gente tem que lembrar que na maioria dos casos a justiça não foi feita. A gente continua lutando, mas as mortes também continuam acontencendo”, afirma Zilda.
O documento da ONU aponta o racismo estrutural brasileiro como um dos motivos para o elevado número de pessoas negras mortas pela polícia na última década. O relatório faz um comparativo entre homicídios envolvendo de pessoas negras e não-negras no Brasil.
“As informações recebidas indicam que as intervenções policiais documentadas afetaram desproporcionalmente os afro-brasileiros. Enquanto o número total de homicídios entre brasileiros afrodescendentes aumentaram 11,5% entre 2008 e 2018, foi registrada queda de 12,9% entre os brasileiros não negros. Em 2020, os brasileiros afrodescendentes representavam 78,9% das vítimas de intervenções policiais, apesar de representarem apenas 56,3% do total população, indicando uma sobrerrepresentação de brasileiros afrodescendentes entre as vítimas de tais intervenções e ilustrando padrões persistentes de desigualdade racial associada à ação letal da polícia. No mesmo ano, o Brasil atingiu seu maior número de mortes devido a intervenções policiais desde 2013, com 6.416 óbitos (média de 17,6 óbitos por dia), com policiais militares e polícia civil supostamente responsável por 72,7% e 2,8% dos casos, respectivamente”, detalha o relatório.
Gabriel Sampaio, coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da ONG Conectas Direitos Humanos, analisa que a manifestação da ONU em relação aos crimes cometidos pela polícia no Brasil servem para pressionar o governo a apurar e solucionar os fatos.
“Esses crimes configuram verdadeiras violências institucionais praticadas pelas diversas instâncias do estado brasileiro, ao não oferecer condições para vítimas, familiares e toda a sociedade. Isso revela uma violência sistêmica com fortes indícios de participação de agentes estatais”, comenta.
A falta de celeridade e engajamento do governo brasileiro em relação a crimes cometidos por forças policiais e a não apuração de violações de direitos humanos faz com que o país perca cada vez mais algum protagonismo dentro da comunidade internacional, dificultado com o que Brasil consiga alguns postos que pleiteia há anos, como uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU ou uma vaga na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“O Estado brasileiro precisa firmar seu compromisso com os direitos humanos. É muito difícil que uma nação que pleiteia qualquer espaço no sistema internacional consiga êxito sem demonstrar compromisso com os preceitos e normas estabelecidas por esse sistema internacional de direitos humanos. É muito natural que a consequência disso seja a perda de protagonismo”, avalia Gabriel Sampaio.
Os relatores da ONU pediram que o governo brasileiro respondesse o documento até o dia 20 de agosto. A Ponte entrou em contato, via e-mail, com o Ministério das Relações Exteriores questionando se a carta havia sido respondida e qual o conteúdo das respostas. Até a publicação desta matéria não houve retorno por parte da pasta.
A Ponte já cobriu dezenas de casos denucniados agora pela ONU, veja a lista abaixo
Na madrugada de 12 de novembro de 2015, várias casas foram invadidas por policiais, 11 jovens foram executados e outros torturados no bairro do Curió, em Fortaleza (CE). Os ataques duraram cerca de seis hora. 34 policiais foram pronunciados pelo crime, mas até hoje nenhum foi sentenciado.
Adolescente morto na Ilha do Governador
Um jovem teria sido morto depois de ser detido em 31 de dezembro de 2007, acusado de participar de um assalto na praia de Ipanema, zona sul da cidade do Rio de Janeiro. El foi torturado pelos policiais com golpes de mesas, cadeiras, cabos de vassoura, um saco plástico sobre o rosto e outros instrumentos, até que deixou de reagir.
Davi foi abordado em 24 de outubro de 2014 em Salvador (BA) por um grupo de 23 policiais miliateres durante uma operação e levado para um local desconhecido. Ele não foi visto ou ouvido de desde então, o que equivale a um desaparecimento forçado. A principal testemunha do caso foi ameaçada e está sob proteção.
Nove jovens morreram quando estavam no Baile da 17, em Paraisópolis, comunidade na zona sul da capital paulista, quando a polícia militar cercou as ruas principais e começou a atacar os participantes com cassetetes, balas de borracha, granadas e gás lacrimogêneo, bem como bombas artesanais. A maior parte das vítimas morreu por asfixia mecânica.
Diego tinha 33 anos e estava comprando combustível em um posto de gasolina em 15 de novembro de 2013 quando uma motocicleta vermelha com dois homens se aproximou dele e atiraram várias vezes. Um ex-PM, acusado de integrar o grupo de extermínio que assasinou Diego, foi absolvido em 2018.
Douglas foi morto por um policial militar em 28 de outubro de 2013, aos 17 anos, enquanto estava brincando com o celular. A polícia saiu do carro e atirou em Douglas, cujas últimas palavras foram: “por que o senhor atirou em mim?”. O policial alegou que a arma disparou acidentalmente. No entanto, a conclusão da perícia contradiz essa versão baseada na trajetória da bala. O PM foi absolvido em 2016.
Felipe, 18 anos, estava sentado na calçada em Cidade Tiradentes, extremo-leste da capital paulista, com dois amigos quando dois homens em uma moto chegaram e pediram para entregar seus pertences e depois atirou neles. Acredita-se que o assassinato, ocorrido em 17 de março de 2020, tenha relação com o serviços de segurança. Um policial militar ameaçou a única testemunha que teve que deixar o bairro.
Na noite de 13 de agosto de 2015, um grupo de agentes da lei praticou uma série de assassinatos nas ciaddes de Osasco e Barueri, na Grande SP. O ataque, que teria acontecido para vingar a morte do PM Admilson Pereira de Oliveira, em 8 de agosto de 2015, e do GCM de Barueri Jeferson Luiz Rodrigues da Silva, no dia 13 do mesmo mês, resultou em 23 mortes, e apenas parte dos acusados foi condenada.
Garoto de 13 anos morto na Maré
O adolescente foi baleado nas costas durante uma operação em 6 de junho de 2018 na favela da Maré, no Rio de Janeiro, enquanto voltava do futebol. O porta-voz da PMRJ chegou a dizer que a ação foi realizada devido ao sequestro de quatro policiais, o que não foi confirmado.
Cinco pessoas morrem e pelo menos oito ficam feridas durante operação dos batalhões de Operações Especiais (Bope), Choque e Ação com Cães da Polícia Militar do Rio de Janeiro, no Complexo da Maré, zona norte do Rio, na madrugada em 6 de novembro de 2018.
Oito pessoas foram mortas no Morro do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, durante uma operação comandada pela Polícia Civil em 11 de novembro de 2017, com a participação do Exército. De acordo com testemunhas, a investigação não foi adequada, pois não foi realizado exame de balística em nenhum dos projéteis.
Em 20 de junho de 2018, uma intervenção policial foi realizada no Complexo da Maré, zona norte da capital fluminense, com intenso fogo aéreo de um helicóptero blindado. A operação também incluiu carros blindados da polícia civil e do exército. Marcus Vinicius, de 14 anos, foi baleado no estômago enquanto caminhava para a escola. Ele estava vestindo uma mochila nos ombros e um uniforme escolar. Após ser baleado, ele foi levado por moradores para um serviço médico de emergência. Marcus afirmou que tinha visto o tiro vindo de Caveirão. Outras seis pessoas foram mortas na mesma ocasião.
Após sair da igreja, Matheus deu carona a um amigo numa moto em 13 de março de 2018. Por volta das 21h30, depois de deixar o amigo, Mateus foi baleado no peito pela Polícia Militar próximo a uma UPP na favela do Jacarezinho, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. “Meu filho era trabalhador. Mataram ele covardemente”, disse Wellington Melo, pai de Matheus, na ocasião.
Paulo foi sequestrado por volta das 23h. em 16 de maio, 2006 pela Polícia Militar. O corpo dele nunca foi encontrado. Segundo vários moradores de Itaquera, na zona leste de São Paulo, Paulinho foi levado com vida por policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), considerada pelo governo paulista como a tropa de elite da PM.
Paulo estava com três amigos próximo à casa de sua família quando foi levado por policiais para um beco na favela de Manguinhos, na zona norte da capital fluminense, em 17 de outubro de 2013, onde foi espancado e asfixiado até a morte.
Depois de uma perseguição policial em 18 de março de 2015 em uma via do Jardim das Oliveiras, no Itaim Paulista, extremo leste da cidade de São Paulo, Peterson foi espancado por policiais miliateres, algemado e levado à força em um veículo. Cerca de três horas depois, ele foi deixado no hospital com hemorragia interna, traumatismo craniano, asfixia no peito e depois morreu por causa da lesões.
Thiago da Costa Correia da Silva, 19, foi morto juntamente com outras três pessosa durante a operação do 6º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro, no Morro do Borel, zona norte da capital fluminense, em 16 de abril de 2003. Os quatro jovens foram atingidos na cabeça, peito, braço e antebraço. O laudo da autópsia atestou a uma “alta energia cinética” na saída do projéteis e alguns tiros disparados à queima-roupa.
Em 4 de dezembro de 2020, duas crianças de 4 e 7 anos estavam brincando do lado de fora de sua casa na comunidade Barro Vermelho em Gramacho, bairro de Duque de Caxias, quando foram baleadas na cabeça e no peito. A PM alega que estavam perseguindo duas pessoas em uma moto e deram pelo menos três tiros. Mais tarde, a corporação emitiu uma declaração de que não houve tiros disparados pela polícia.