Ana Paula, mais uma sobrevivente: ‘enquanto tiver forças, serei a voz do meu filho’

A família de Ana foi vítima incontáveis vezes de violência policial: os pais, torturados, um tio e um primo, mortos, e o marido, baleado. Em 2014, seu filho, Johnatha, foi morto. ‘Hoje, entendo porque somos alvo constante da polícia. Há um preconceito racial muito grande’, diz

Ilustração: Junião

Para marcar os 15 anos dos Crimes de Maio, a Ponte publica 15 perfis de mulheres que perderam familiares para a violência policial, originalmente publicados no livro “Mães em Luta”, organizado por André Caramante e editado por Ponte e Mães de Maio em 2016

— Mostraram uma foto do meu filho, o rostinho dele, e ele não foi colocado como uma vítima. Aquilo para mim foi como sua segunda morte. Eu já estava dilacerada, com uma dor imensa, ainda sem conseguir acreditar que meu filho não ia mais voltar para casa, e vejo a mídia assassinando-o mais uma vez, dando legalidade ao que a polícia falou — relembra Ana Paula de Oliveira Gomes, hoje com 44 anos, mãe de Johnatha de Oliveira Lima, morto por um policial militar aos 19 anos de idade com um tiro nas costas, em Manguinhos, conjunto de favelas localizado na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, em 14 de maio de 2014.

Foi com essas palavras que ela expressou o que sentiu quando, no dia do velório do filho, assistiu a uma reportagem que informava que o jovem morto no dia anterior era, segundo a polícia, suspeito de ter recebido a equipe de policiais a tiros.

— Meu filho não estava mais aqui, não podia se defender. Foi muita maldade comigo, com a minha família, muita maldade com ele. E eu disse: “eu vou ser a voz do meu filho, vou gritar para o mundo todo me ouvir”! Hoje o mundo está me ouvindo e eu tenho a sensação de que estou cumprindo o meu papel como mãe. Sinto o maior orgulho de ser mãe do Johnatha — afirma.

Mães em Luta
Débora Maria da Silva: ‘Ser Mãe de Maio me alimenta’
‘Foram viajar. Um dia viajo também. Vamos nos encontrar e matar as saudades’
Francilene: ‘Desaparecimentos não estão nas estatísticas, apenas em nossos peitos’

Maria Aparecida e a bala (duas vezes) perdida
Waltrina Middleton: ‘O lamento das mães no Brasil e nos EUA é muito semelhante’
‘As mães que lutam contra o Estado representam tudo de bom que tem nesse mundo’
Zilda Maria de Paula: ‘Não sossego enquanto não houver justiça’
Vânia perdeu o irmão para a violência policial e a mãe para a injustiça, mas segue na luta: ‘agora é pelos dois’
Zilda, mãe de Laura Vermont: ‘A Justiça não trata uma pessoa trans como se deve’
Rute e o holocausto de Davi
Violentada por um policial, Cleuza deu à luz Fernando. Dezoito anos depois, a PM o matou
Quando jovem, Ivani sonhava em ser policial. Adulta, viu a PM matar seu filho
‘Eu confiava na polícia’, diz Maria, mãe de Márcio, morto pela PM
As lutas de Luana

Desde então, Ana Paula mergulhou numa luta incessante contra as violações de direitos humanos praticadas pelo Estado contra a população negra, pobre e favelada, tornando-se uma liderança entre os familiares de vítimas de violência policial na capital fluminense. Viajou à Europa duas vezes com ativistas da Anistia Internacional Brasil, levando sua história e a de outras mães à Holanda, Inglaterra, Espanha e Suíça — passando por escolas, instituições de direitos humanos e pela sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Genebra.

Entretanto, muito antes de ter seu filho assassinado, Ana Paula e sua família já tinham a história marcada por violações que remetem à ida de seus avós para o conjunto de favelas de Manguinhos, após serem removidos de outras comunidades pelo governo do Rio de Janeiro, na década de 1960.

— Minha história de vida é pautada em remoções e assassinatos — diz, após revisitar suas memórias.

Filha de Maria José Gomes de Oliveira e José Isídio de Oliveira Filho, Ana Paula nasceu em 9 de outubro de 1976. Mais velha de quatro irmãos, ajudou a mãe a cuidar dos mais novos — Patrícia, Alessandra e Diogo. Nasceu e cresceu na Rua 4, mais tarde rua São Domingos — próxima à linha férrea que hoje é a Estação de Manguinhos.

Leia também: Debates marcam a semana dos 15 anos dos ‘Crimes de Maio de 2006’

Negra e esguia, Ana Paula pode aparentar fragilidade. Mas basta reparar em seus olhos para sentir a força que vem da mulher que sempre escreve “luta” em letras maiúsculas. Habituada a amparar pessoas em situações adversas, sua solidariedade reflete seu vínculo profundo com a vida em comunidade. Em seus gestos, vê-se doçura e leveza, a despeito do peso de sua trajetória.

Seus avós paternos, Sylvia Nunes e José Isídio de Oliveira, foram para Manguinhos por volta do ano de 1956, após remoção da favela do Caju, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, instalando-se na Rua 4, para onde, anos depois, também se mudaram sua avó materna, Honorina da Conceição Gomes, e sua mãe, Maria José, então com 12 anos de idade. Eles estavam entre as milhares de pessoas desabrigadas após incêndio na madrugada de 11 de maio de 1969 na Praia do Pinto, favela localizada em uma área valorizada do bairro do Leblon, na zona sul do Rio.

O que separava as casas de suas avós era apenas o campinho de futebol da comunidade, que, anos mais tarde, seria palco dos assassinatos de Afonso Maurício Linhares, em 2014, aos 25 anos, quando apitava um jogo de futebol, e Christian Soares Andrade, em 2015, aos 13 anos, quando brincava com amigos. Os dois jovens foram baleados por policiais.

O irmão mais velho de sua mãe, seu tio Luiz, foi morto antes de Ana Paula nascer, com um tiro na barriga, por alguém a quem ele negara o único cigarro que tinha. O outro irmão de Maria José, o tio Paulo, havia sido preso por assalto antes de a família ser removida da Praia do Pinto e passou muitos anos no Presídio de Ilha Grande , no litoral oeste do Estado do Rio de Janeiro.

Leia também: Mães de Maio, Defensoria e Conectas denunciam desaparecimentos de vítimas dos Crimes de Maio na OEA

Quando Paulo foi transferido para o Complexo Penitenciário Frei Caneca, no Centro do Rio, onde cumpriria o restante da pena, Maria José levou Ana Paula e Patrícia, na época suas únicas filhas, para visitá-lo.

— Tenho uma lembrança muito forte daquela tarde. Lembro o carinho do meu tio com a gente e com a minha mãe, que ele só chamava de “mana”. Eu devia ter uns sete anos — recorda Ana Paula.

Sua pena chegava ao fim quando, no final dos anos 1980, tio Paulo foi morto a facadas no prisão. “Até uns anos atrás, minha mãe guardava um pedaço de jornal, com a notícia da morte do meu tio e uma foto dela, bem grande, em desespero, chorando, gritando de dor por ter perdido mais esse irmão.”

Certa noite do ano de 1977, seus pais namoravam no portão da casa de sua avó materna, e José Isídio fumava um cigarro de maconha, quando o casal foi abordado por policiais militares já conhecidos na favela por “atuarem com violência, entrarem nas casas, fazerem revistas, levarem coisas”, segundo Ana Paula, que tinha poucos meses de vida na ocasião e se encontrava sob os cuidados da avó, no interior da casa, conforme seus pais lhe contariam mais tarde.

Sequestrados durante dois dias, seus pais foram torturados pelos PMs.

— Foram pendurados pelos pés, levaram choques elétricos. Bateram nos meus pais, e minha mãe ainda teve que ficar vendo meu pai sendo torturado, com a cabeça num barril de água. Ela falava que meu pai desmaiou várias vezes – relata. — Quando eu já estava crescida, lembro do meu pai dizer que o que o fez resistir à tortura foi lembrar o tempo todo de mim, que vinha minha imagem na cabeça dele — recorda Ana Paula.

Leia também: Seis anos depois, promotora que caluniou Mães de Maio segue sem punição

Os pais dela foram encontrados depois que um vizinho disse a uma irmã de seu pai que os tinha visto sendo levados.

— Minha tia rodou em delegacias, hospitais, vários lugares, e conseguiu achar porque ela tinha algum conhecimento — diz Ana Paula.

José e Maria foram ainda ameaçados pelos policiais, que exigiram seu silêncio.

— Cresci ouvindo essa história. Meu pai falava sempre com muito ódio. Minha mãe, com medo — recorda.

Outro contato de Ana Paula com a violência policial ocorreu quando seu primo Paulo Sérgio, filho de seu tio Paulo, foi assassinado por policiais, aos 20 anos. “Ele se escondeu na casa de uma moça, ela se assustou quando ele entrou, gritou e, no que ela gritou, os policiais entraram e o executaram”, conta ela, que tinha sete anos na época.

— Lembro que, quando estava no ginásio, eu pedi uma bicicleta, e meu pai dizia que se eu passasse de ano ele me daria a bicicleta. Todo ano era isso e a bicicleta nunca chegava, conta Ana Paula, rindo. Eu tinha desejos de ter brinquedos, aquelas bonecas de bebezinho, mas não tinha — completa.

Sua infância foi marcada por brincadeiras nas ruas da comunidade, que já contava com a presença de policiais truculentos, mas não como hoje, segundo ela.

— A gente entrava numa rua correndo, um bonde mesmo de crianças, brincando de pique, e não tinha a preocupação de ser alvo da polícia a qualquer momento, como hoje — compara.

Seus avós paternos tinham “um barraco grande, de dois andares, varanda e um cercado de plantações”, onde Ana Paula passou grande parte da infância.

Leia também: Projeto de lei Mães de Maio quer apoiar vítimas da violência estatal em SP

— A casa deles era sempre enfeitada com flores lindas, apesar de ser um barraco muito humilde. Meu primeiro buquê de flores foi dado pelo meu avô quando completei 15 anos — recorda.

A situação financeira da família melhorou quando, em 1984, seu pai conseguiu um emprego na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em Manguinhos. Quando os pais se separaram, em 1992, houve período de muita dificuldade.

— Foi um baque muito grande para a nossa família. Meu pai sempre foi um ótimo pai, muito amoroso, se esforçou para nos dar estudo, educação, nos ensinou princípios básicos que precisamos saber, lembra.

Ana Paula tinha 16 anos quando engravidou do então namorado, Francisco de Assis Lima, jovem de 18 anos e também morador de Manguinhos. A gravidez chegou ao fim ao mesmo tempo em que o ensino médio, e nasceu Johnatha, em 4 de dezembro de 1994.

— Ele trouxe muita luz e felicidade, não só pra mim, mas para a minha família toda. Foi o primeiro neto dos meus pais, o primeiro sobrinho dos meus irmãos — orgulha-se. Com o marido e o filho recém-nascido, Ana Paula ainda morou com a mãe por um período, até construir sua própria casa na laje que ganhou da avó paterna.

Em outubro de 1995, Ana Paula conseguiu seu primeiro emprego, na extinta Creche João Goulart, localizada na frente do campinho de futebol da comunidade. Trabalhando tão perto de casa, ela tinha bastante tempo com o filho, que depois também passou pela creche. Ganhava pouco mais de um salário mínimo.

— Sabe aqueles bebezinhos que eu pedia para o meu pai, as bonequinhas que nunca tive? As minhas crianças eram as que saíam com os penteados mais lindos. Fazia questão de entregá-las lindas no final do dia para as mães lembra ela, em tom carinhoso Aquelas pessoas eram o meu povo. Eu gostava daquele contato — diz, referindo-se ao vínculo estabelecido com os pais das crianças.

Leia também: O destino dos jovens negros desaparecidos após abordagens da polícia

Embora nunca tenha planejado fazer faculdade, um novo universo se abriu para Ana Paula quando, para não perder o emprego, começou a cursar Pedagogia. Pela primeira vez, ela tinha atividade fora de Manguinhos — a faculdade ficava no bairro do Méier.

— Comecei a sonhar, queria aplicar tudo o que aprendia com as crianças, na creche onde tudo começou — recorda.

Um ano depois, entretanto, a creche fechou.

Em 2005, mais uma vez ela encerrara um ciclo de estudos e uma gravidez quase ao mesmo tempo: em 13 de junho daquele ano, nasceu sua filha Maria Paula, dois meses antes de Ana Paula se formar na Universidade Estácio de Sá, onde uma bolsa de estudos a fez ser a primeira na família com ensino superior.

Em uma noite de sexta-feira de agosto de 2005, seu marido Francisco, um servente de obras, tomava cerveja com amigos depois do trabalho em um bar na Estrada de Manguinhos, quando foi baleado por policiais militares que entraram na comunidade a bordo do Caveirão — veículo blindado do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.

— O Caveirão chegou dando tiros, as pessoas correram e se abrigaram, mas ele ficou onde estava e foi atingido no joelho — conta Ana Paula.

Depois de dois meses no hospital, onde teve retirada parte da cartilagem da região lateral de seu abdômen para preencher o joelho, e um longo período sendo cuidado pela família, Francisco se aposentou por invalidez, aos 35 anos.

Leia também: Crimes de Maio de 2006: o massacre que o Brasil ignora

— A Maria Paula pequenininha, eu amamentando. Foi muito difícil. Nós não poderíamos imaginar o que ainda estava por vir. Aquele era só mais um pedaço da história de violações contra a vida da nossa família — relata Ana Paula.

Da triste experiência, ficaram dores no joelho e cicatrizes — no corpo e na alma —, além de remédios para controlar a pressão do marido.

No período de 2004 e 2005, era rotina o Caveirão entrar na favela, a qualquer hora do dia ou da noite, atirando, assustando as pessoas recorda Ana Paula, que, antes de ver o veículo blindado pela primeira vez, já ouvia histórias nefastas a seu respeito.

— Os policiais invadiram o baile do Mandela [uma das favelas do complexo de Manguinhos] e falavam no alto-falante “eu vim buscar a sua alma” — diz, em tom de pavor As pessoas relatavam ainda que policiais chegavam num carro preto blindado horrível, cheio de buracos onde eles enfiavam as pontas dos fuzis.

O quarto de Johnatha

“Um quarto, uma cozinha e um banheiro, uma lajezinha onde a gente passou muitos anos”. Assim Ana Paula descreve a casa que ela e Francisco construíram no espaço que ganharam da avó.

— Meu maior sonho era poder dar um quartinho para o Johnatha. Subíamos eu, ele e o pai dele naquela laje, tinham os tijolinhos que tinham sobrado da obra, e a gente ficava ali imaginando, ele falava como queria o quarto dele — conta ela, com os olhos marejados.

Quando Johnatha tinha nove anos, os quartinhos dos filhos finalmente foram construídos.

— Com a chegada da Maria Paula, não tinha como [adiar mais], a gente se apertou e fez. Quando os quartinhos ficaram prontos, começou a se veicular a informação de que haveria remoção — conta Ana Paula, que se viu, de uma hora para a outra, em situação semelhante à que seus avós e sua mãe haviam vivido anos antes.

Leia também: Artigo | Mais uma Dona Maria de luto: a morte como política de Estado e a busca pela ‘fórmula mágica da paz’

Em outubro de 2013, a família foi removida da Rua 4. Deixar o lugar onde nasceu, cresceu e teve seus filhos foi sofrido para Ana Paula.

— Minha mãe adquiriu diabetes emocional. Minha avó Sylvia sofreu muito, falava que só sairia da casinha dela morta. Ela via os vizinhos vindos com ela do Caju indo embora, era muito triste. Ela já estava bastante debilitada de saúde, mas piorou.

Os tratores da Secretaria de Habitação da Prefeitura do Rio trabalhavam dia e noite na Rua 4, as casas antigas foram descaracterizadas, restando apenas esqueletos — “que nem casa de país em guerra”, comenta Ana Paula.

— A gente tinha que ficar trancado, era muita poeira, as casas tremiam. Um processo muito doloroso.

Mudaram-se, então, para outra região de Manguinhos, onde vivem hoje, na casa que ergueram com o dinheiro da indenização.

A morte de Johnatha

— Ele me deu um beijo e pediu para eu “dar uma moral e lavar o prato” dele, que tinha acabado de almoçar com a namorada — recorda Ana Paula, reproduzindo a gíria do filho, que tinha 19 anos, quando saiu de casa, por volta das três e meia da tarde do dia 14 de maio de 2014, para levar a namorada em casa e, no caminho, deixar na casa da avó um pavê de chocolate feito pela mãe.

— Nunca na minha vida eu poderia imaginar que aquele seria o último beijo dado por meu filho. Depois fiquei tentando sentir de novo aquele beijo — lamenta.

Eram aproximadamente quatro e meia da tarde quando ele voltava para casa e, ao passar pela rua São Daniel, no interior da comunidade, se deparou com um conflito entre policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) e moradores, que, revoltados com a truculência dos agentes, arremessavam pedras, enquanto os policiais atiravam para o alto.

Uma moradora foi chamar seus filhos, que jogavam bola na rua, para protegê-los, quando viu Johnatha passando e disse-lhe “volta, meu filho, que o negócio não está muito bom aqui, não”. Ele tentou recuar, mas um policial efetuou um disparo em sua direção, atingindo-o nas costas.

Segundo a mesma moradora, uma das testemunhas da morte de Johnatha, “um tiro pegou no chão e outro nele”. Outra testemunha viu quando Johnatha foi atingido e correu “com as mãos nas costas gritando por socorro”. Nenhuma delas pode ser identificada por questão de segurança.

Johnatha ainda deu mais alguns passos, pôs as mãos nas costas e tentou correr, mas desfaleceu no chão, sendo levado por moradores à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Manguinhos, onde chegou morto. Exame pericial de confronto   balístico   concluiu que o projétil que o matou foi disparado pela arma do policial Alessandro Marcelino de Souza. Ao ser ouvido no dia da morte de Johnatha, o PM negou não apenas ser o autor do disparo, como também ter participado da ocorrência que acabou no homicídio – versão que o próprio policial contradisse à Justiça, em 4 de maio de 2016. O Tribunal de Justiça do Rio de Janerio decidiu em 2018 que o policial iria a júri popular, mas ele recorreu e não foi julgado até hoje.

Leia também: O que é necropolítica. E como se aplica à segurança pública no Brasil

Johnatha foi enterrado no Cemitério de São Francisco Xavier, mais conhecido como Cemitério do Caju, na zona norte do Rio de Janeiro, ao final da tarde do dia 15 de maio de 2014.

A morte de Johnatha abalou toda a família e transformou profundamente a vida de Ana Paula.

— Eu me tornei mais forte, me sinto mais livre, mais corajosa, mais disposta a enfrentar tudo de frente. Antes eu era muito dependente. Hoje eu procuro vencer meus medos, vou sozinha a muitos lugares e tenho descoberto muitas coisas. Eu me desprendi. E acho que isso se deve muito ao fato de eu sentir a presença dele comigo conta ela, sempre apoiada pela família.

Com a vida toda em Manguinhos, Ana Paula também recebe apoio dos moradores da comunidade.

— Uma das testemunhas [do crime contra o filho] foi amiguinha dele na creche, depois da sala dele na escola, e no dia ela viu o que aconteceu, o cunhado dela foi quem socorreu o Johnatha. São coisas muito fortes. Eu tenho um vínculo muito forte com essas pessoas.

Além de lutar ao lado de mães de vítimas da violência estatal no Rio de Janeiro e outras regiões do país, Ana Paula integra o Fórum Social de Manguinhos, movimento de moradores da comunidade.

— A militância me ensinou muitas coisas. Hoje, entendo por que meu filho foi assassinado e por que nós somos alvo constante da polícia. Há um preconceito racial muito grande no Brasil. Mas, enquanto eu tiver forças, continuarei a ser a voz do meu filho.

Leia também: O que é genocídio — e as formas que assume no Brasil

— Não tem como lembrar dele sem abrir um sorriso — diz Ana Paula, cujo rosto se ilumina ao falar sobre o filho. Quando pensa nele, ela diz, prontamente: Alegria, ele era muito alegre.

Apaixonado por cavalos desde bem pequeno, Johnatha queria morar numa fazenda com muitos cavalos e toda a família, lembra a mãe. Havia um curral em Manguinhos e, toda vez que alguém passava com um cavalo, ele pedia para montar na hora.

Sobre os medos do filho, Ana Paula diz que ele só temia injeção.

— Ele não tinha medo de nada, estava sempre disposto a se jogar, vivia com muita intensidade. É uma coisa que admirava muito nele — orgulha-se.

Ajude a Ponte!

O jovem estudou até o primeiro ano e, ávido por ter alguma autonomia, adiou a conclusão do ensino médio e foi servir o Exército, em 2013. Em nove meses, a motivação com que começara a frequentar o Arsenal de Guerra do Rio, no bairro do Caju, se esvaiu. Decepcionado, já não desejava mais seguir carreira militar. Mas, antes que pudesse descobrir o que faria dali em diante, foi morto.

— O mais difícil é conviver todos os dias com a ausência dele, com a falta que ele faz dentro dessa casa —desabafa Ana Paula, no quarto que era do filho.

— Acho que a nossa vida não vale nada se não deixarmos lembranças boas para as pessoas. Então me orgulho muito dele. O Johnatha me ensinou muita coisa. Ele é a luz que me guia até hoje — encerra.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas